Introdução
Os samurais são os legendários guerreiros de armadura do Japão antigo, conhecidos no Ocidente como uma classe militar e retratados em incontáveis filmes de artes marciais. Embora a arte da guerra fosse o centro da vida de um samurai, eles também eram poetas, políticos, pais e fazendeiros. Os samurais desempenharam um papel essencial nos últimos 1.500 anos da história japonesa.
Foto cortesia de Japanese-Armor.com Este capacete de batalha é uma reprodução em tamanho verdadeiro daquele que foi usado pelo famoso daimyo Date Masamune (1566-1636) |
Neste artigo, examinaremos o rígido código de conduta dos guerreiros samurais, o sistema de honra que guiava suas vidas, as armas e armaduras que usavam, e sua longa história desde as obscuras origens no século V até a extinção da classe samurai em 1876.
Os samurais desempenharam muitos papéis no Japão: coletores de impostos, servidores do império, arqueiros, militares. Mas se tornaram mais conhecidos como guerreiros.
O que torna um samurai diferente de outros guerreiros em outras partes do mundo? Vestir uma armadura e usar uma espadanão é suficiente para transformar-se em um. Apesar dos costumes terem mudado ao longo dos séculos, há quatro regras que sempre definiram um samurai:
- o samurai é um guerreiro bem treinado e extremamente habilidoso;
- o samurai serve seu daimyo, ou senhor, com absoluta lealdade, até a morte. Esse é o próprio significado da palavra samurai: "aquele que serve";
- o samurai é um membro de uma classe de elite, considerado superior a cidadãos comuns e soldados ordinários de infantaria;
- a vida do samurai é regida pelo bushidô, um rígido código de guerreiro que coloca a honra acima de tudo.
Treinando para a vida e para a guerra
O tipo e a freqüência dos treinamentos de um samurai dependiam da riqueza de sua família. Em famílias de classe baixa, os filhos eram geralmente enviados às escolas dos vilarejos para receber instrução básica, mas a maior parte de seu treinamento era dado pelos seus pais, irmãos mais velhos ou tios.
Treinar artes marciais era considerado muito importante e o treinamento, freqüentemente começava muito cedo, por volta dos cinco anos. Filhos de famílias ricas eram enviados a academias especiais, onde eram tutelados em literatura, artes e habilidades militares.
A imagem mais familiar que se tem dos samurais é, provavelmente, a de um mestre espadachim empunhando a sua katana com extrema habilidade. Entretanto, nos primeiros séculos de sua existência, os samurais eram mais conhecidos comoarqueiros a cavalo. Disparar uma flecha ao mesmo tempo que se monta um cavalo é uma tarefa muito difícil e dominá-la requer anos de prática. Alguns arqueiros praticavam em alvos amarrados a um poste, que poderiam ser balançados para criar um alvo móvel. Por um certo tempo, cachorros vivos eram usados como alvos móveis, até que um xogum (tinha poderes de governante e líder militar) aboliu essa prática cruel.
A arte da espada era ensinada de uma maneira igualmente implacável. Conta-se que um certo mestre atingia seus alunos a qualquer momento do dia ou da noite com uma espada de madeira, até que eles aprendessem a nunca relaxar sua guarda.
Nos primeiros séculos de sua existência, os samurais eram mais conhecidos como arqueiros a cavalo |
Além da habilidade de guerrear, esperava-se que os samurais fossem bem educados em outras áreas, como literatura e história. Durante o período Tokugawa, uma era pacífica, quando os samurais não eram muito necessários como guerreiros, os seus conhecimentos acadêmicos foram especialmente úteis. Entretanto, alguns mestres samurais advertiam seus alunos para não se aterem muito às letras e à pintura, para que não enfraquecessem a mente.
Um samurai é imediatamente reconhecido pela armadura e capacete singulares. Embora as primeiras armaduras fossem feitas com uma placa sólida (séculos V e VI d.C.), é a armadura laminar, posterior a ela, que continua a representar a imagem do samurai até hoje. A armadura laminar é feita unindo-se escamas de metal em uma placa pequena, que é então laqueada para tornar-se à prova d'água. Estas pequenas placas são unidas com tiras de couro, cada uma cobrindo ligeiramente a placa seguinte. Originalmente havia dois tipos básicos de armaduras laminares:
- yoroi - armadura pesada (incluía um pesado capacete e imponentes protetores para os ombros) muito usada pelos samurais montados;
- do-maru - armadura mais justa e mais leve usada pelo soldados de infantaria.
Os capacetes, chamados kabuto, são feitos de placas de metal presas com rebites. Em muitos projetos, os rebites formam linhas de saliências ao longo da parte de fora do capacete, incrementando seu distinto visual. Samurais de escalões mais altos colocavam o símbolo do clã e outros ornamentos em seus capacetes. Alguns capacetes possuíam máscaras de metal portando rostos de demônios, às vezes com bigodes e barbas feitos com crina de cavalo. Durante os tempos de paz, esses capacetes se tornaram bastante elaborados. Hoje são considerados peças de arte.
Antes de vestir a armadura, o samurai usava uma túnica de peça única coberta por um quimono e um par de calças bem largas. Um gorro acolchoado ajudava a aliviar o peso do grande capacete de ferro.
Tsurubashiri - cobertura de couro sobre o Do, às vezes com padrões coloridos e elaborados.
Sendan-no-ita, kyubi-no-ita - pequenas placas de armadura que pendem dos ombros e protegem as tiras que mantém presa o resto da armadura.
Kote - manga da armadura, usada apenas no braço esquerdo, deixando o braço direito livre para usar o arco. Esta prática de deixar o braço direito desguarnecido continuou como forma de tradição muito tempo depois que os samurais não mais dependiam das técnicas do arco e flecha em combate.
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Foto cortesia de Japanese-Armor.com Jogo de espadas Paul Chen Tiger: a katana, wakizashi e a tantô (da esquerda para a direita) |
Os ferreiros que criavam katanas para os samurais são considerados os melhores fabricantes de espadas da história. Um dos maiores desafios de se fabricar uma espada é mantê-la afiada. Uma arma feita com um metal duro irá manter o fio, mas é frágil e tem a tendência de se quebrar. Os ferreiros japoneses resolveram o problema fazendo o núcleo da espada com um metal macio, que não se quebra. Esse núcleo era coberto com camadas de metal mais duro que eram repetidamente dobrados e martelados até que fossem literalmente milhões de camadas de metal laminadas juntas. O corte era tão afiado que um um espadachim habilidoso poderia partir um ser humano em dois com um só golpe.
Foto cortesia de Amazon.com Os samurais são tema de muitos filmes |
No século XVI, mercadores europeus chegaram ao Japão pela primeira vez. Os japoneses pagaram grandes somas pelo seus mosquetes, dominando rapidamente as técnicas de fundição necessárias à produção de armas em massa. Embora a arma de fogo não seja tradicionalmente associada ao samurai, ela foi de uma grande influência na arte da guerra japonesa desde então, permitindo ao daimyos formarem grandes exércitos de homens armados com relativamente pouco treinamento. Muitos samurais adotaram essas armas pouco confiáveis, que eram mais usadas como apoio à tão fiel espada. Alguns chegaram a usar armaduras sólidas com desenho de corpo inteiro, a okegawa-do, com o objetivo de fazê-las à prova de balas.
Os samurais não eram guerreiros mercenários, vagando pelo Japão e lutando por qualquer senhor de guerra que os pagasse. Eles estavam vinculados a um senhor específico, ou daimyo, e também comprometidos com as suas comunidades por dever e honra.
Este código de honra é conhecido como bushidô, e vem das palavrasbushi, que significa "guerreiro", e do que significa "o caminho". Bushidô significa então: "o caminho do guerreiro". Esse código evoluiu de um período anterior, quando os samurais eram arqueiros e cavaleiros. O treino e a devoção para desenvolver essas habilidades e a ligação com o cavalo levou ao kyuba no michi, "o caminho do cavalo e do arco".
Embora refiram-se ao bushidô como um código, ele não era um conjunto formal de regras para todo samurai se guiar. Na verdade, o bushidô mudou muito através da história e mesmo de um clã para outro. Embora os samurais já existissem há muito tempo, o bushidô só foi escrito no século XVII.
Foto cortesia de Amazon.com O bushidô é o tema central do filme "Ghost Dog" |
O samurai também tinha um dever de vingança. Se a honra de seu senhor fosse manchada, ou se este fosse morto, o samurai era obrigado a encontrar e matar os responsáveis. Uma das histórias de samurai mais famosas, "Os 47 Ronin", ou samurais sem senhor, é um conto da tradicional vingança dos samurais. Durante um período de paz, seu senhor foi condenado a cometerseppuku (suicídio) devido a uma desavença com outro senhor. Dois anos depois, todos os 47 samurais invadiram o castelo do algoz de seu mestre e o mataram. Eles foram presos e também forçados a cometer seppuku, não porque cumpriram com seu dever de vingança, pois isso era o esperado, mas porque o fizeram em um ataque secreto, o que era considerado uma desonra.
Seppuku
A honra era tão importante para os samurais que eles freqüentemente tiravam suas próprias vidas em face de um fracasso, ou se tivessem violado o bushidô. Esse suicídio vinculado à honra tornou-se bastante ritualizado, tomando a forma do seppuku. Também conhecido por sua expressão mais vulgar, hara-kiri, o seppuku era a maneira de o samurai restaurar a honra do seu senhor e de sua família e cumprir a sua obrigação de lealdade ainda que tivesse falhado como samurai.
O ritual do seppuku consistia em que o samurai usasse vestimentas apropriadas enquanto lhe era apresentada a faca ritual, embrulhada em papel. O samurai então tomava a faca e, com um corte, abria seu ventre da esquerda para a direita, finalizando com outro corte para cima. O seppuku porém, não era um ato solitário, e poucos samurais eram deixados para morrer a lenta e dolorosa morte por desentranhamento. Outro samurai ficava em pé atrás do suicida e o decapitava logo depois.
Nos anos seguintes, o ato se tornou ainda mais ritualizado, sendo algumas vezes usados leques de papel ao invés de facas. Freqüentemente, okaishaku-nin, ou segundo samurai, executava a decapitação tão logo a faca ritual fosse tocada, bem antes que qualquer dor fosse experimentada.
Em tempos modernos, o ritual do seppuku tem ressurgido no Japão, tanto como uma maneira tradicional de restaurar a honra em face da derrota quanto como uma forma de protesto.
A história dos samurais
Foto cortesia de Japanese-Armor.com Reprodução da armadura de Takeda Shingen |
Alguns imperadores perceberam que os emishi eram bons lutadores e os recrutaram para lutar em batalhas contra outros clãs ou ordens religiosas rebeldes. Algumas das táticas militares e tradições dos emishi foram incorporadas pelos soldados japoneses e, mais tarde, usadas pelos samurais.
O status do samurai como uma classe de elite vem da proliferação das famílias poderosas que viviam longe da capital, transferindo suas terras e seu prestígio de uma geração para outra por centenas de anos. Os membros dessas famílias de guerreiros ou clãs alcançaram o status de nobreza.
Tradições militares bárbaras se combinaram com o status de elite e o código do guerreirokyuba no michi para formar o molde do antigo samurai. De acordo com algumas fontes, a palavra samurai apareceu pela primeira vez no século XII. Por um longo tempo, os samurais constituíam a principal força militar usada contra os emishi e outros clãs.
Em 1100, dois poderosos clãs serviam ao Imperador do Japão: o clã Taira e o clã Minamoto. Estas duas famílias se tornaram rivais e, em 1192, Minamoto Yoritomo liderou seu clã à vitória sobre o clã Taira. O imperador, chefe tradicional do governo japonês, declarou Minamoto Yoritomo como xogum, o chefe militar. Mas Yoritomo usou seu novo cargo para tirar do imperador todo o poder político, tornar permanente sua posição de xogum, e montar uma ditadura militar conhecida comobakufu. Assim, os samurais passaram de servos dos daimyos proprietários de terras a regentes do Japão, sob o xogum.
Depois que Yoritomo morreu, sua esposa, Masa-ko, procurou manter o xogunato. Embora não fosse completo, os Hojos, sua família, mantiveram o controle do Japão por mais de 100 anos.
O clã Ashikaga arrancou o controle dos Hojos em 1338. Os Ashikagas falharam ao tentar impor uma autoridade central forte no Japão e os clãs entraram em decadência devido às lutas constantes. Durante esse período, o daimyo construiu castelos impressionantes, com muros, portões e fossos que os tornavam inexpugnáveis.
Este sengoku, ou período de guerra civil, durou até que Tokugawa Ieyasotomou controle do Japão em 1603. Tokugawa aplicou uma rígida política isolacionista e manteve o controle sobre os daimyos ao forçar suas famílias a viverem na capital, enquanto o próprio daimyo vivia na sua propriedade. Cada daimyo era obrigado a visitar a capital pelo menos uma vez ao ano (daimyos que caíam em desaprovação recebiam propriedades longe da capital, tornando a viagem mais cara e demorada). Isso garantia o controle sobre os daimyos porque suas famílias eram mantidas basicamente como reféns, e as caras viagens anuais os impediam de conseguir demasiado poder econômico.
Tokugawa também proibiu o porte de espadas, exceto pelos samurais. Todas as espadas possuídas por aqueles que não eram samurais eram confiscadas e derretidas para fazer estátuas. Isso marcou os samurais como uma classe muito distinta, acima dos cidadãos comuns.
Durante a paz forçada de Tokugawa, os samurais raramente entravam em combate. Foi durante esse período que os samurais assumiram outras funções, acompanhando seus senhores na ida e na volta da capital, trabalhando como burocratas no bakufu e cobrando tributos em arroz dos vassalos do daimyo.
O fim dos samurais
Tokugawa e seus descendentes governaram um Japão pacífico por dois séculos e meio. Nesses tempos de paz, o poder dos samurais declinou gradualmente, mas foram dois fatores específicos que os levaram à ruína definitiva: a urbanização do Japão e o fim do isolacionismo.
À medida que mais japoneses se mudavam para as cidades, havia menos fazendeiros para produzir o arroz necessário para alimentar a crescente população. A vida luxuosa desfrutada pelos xoguns e muitos daimyos começou a se desgastar nesse sistema econômico. Muitos japoneses, inclusive samurais de classes mais baixas, começaram a ficar insatisfeitos com o xogunato devido às difíceis condições econômicas.
Foto cortesia de Japanese-Armor.com Reprodução de peças de Takeda Shingen - capacete de batalha e máscara |
Em 1853, navios dos EUA entraram na baía de Edo. O comodoro Matthew Perry havia chegado para entregar uma mensagem do presidente Millard Fillmore ao imperador (que ainda existia como uma autoridade simbólica, ainda que, na realidade, fosse o xogum que governasse o país). Fillmore queria abrir relações comerciais com o Japão, desejava que os marinheiros americanos fossem bem tratados pelos japoneses e propunha abrir o Japão como um porto de reabastecimento para navios americanos. Perry entregou a sua mensagem, disse aos japoneses que retornaria em alguns meses e partiu.
Como conseqüência da visita de Perry, o Japão se dividiu. Alguns queriam recusar a oferta americana, manter o isolacionismo e ficar com suas tradições. Mas outros perceberam que o Japão nunca poderia resistir à melhor tecnologia dos ocidentais. Eles propuseram a abertura do Japão para aprender tudo que pudessem sobre os americanos, para que saíssem de seu isolamento e se tornassem uma potência mundial. No final, o bakufu decidiu abrir os portos japoneses para reabastecimento de navios americanos e, posteriormente, para o comércio.
O imperador negou-se a concordar com o tratado, mas como era apenas uma figura simbólica não conseguiu impedir que o bakufu o levasse adiante. Vários grupos de samurais rebeldes, que queriam que o Japão preservasse as tradições, apoiaram o imperador e iniciaram uma guerra civil contra o bakufu. Surpreendentemente, eles depuseram o xogum, terminando o período Tokugawa e restaurando o poder do imperador. Samurais de classes mais baixas tomaram posições de liderança, controlando o governo do novo imperador um jovem garoto que era chamado Imperador Meiji. Este evento foi conhecido como a Restauração Meiji.
Foto cortesia de Japanese-Armor.com Katana prática Hanwei (direita) e espada japonesa Wakizashi |
O poder foi tirado dos daimyos à medida que o governo desapropriava suas terras. Sem ninguém para pagar os muitos samurais, o governo decidiu lhes entregar títulos baseados na sua categoria. Isso afetou os samurais de baixo e alto escalão de formas diferentes, mas teve o mesmo resultado para ambos: eles usaram os títulos para investir em terras ou iniciar um negócio ou então perceberam que não tinham renda suficiente para se sustentar e retornaram para o campo como fazendeiros e para as cidades como trabalhadores. Os samurais não tinham mais função no Japão.
Finalmente, em 1876, o imperador baniu o uso de espadas pelos samurais, levando à criação de um exército de reservistas. Os samurais já não existiam mais. Embora tenha havido algumas rebeliões de samurais em províncias afastadas, aos poucos todos foram adotando novas funções na sociedade japonesa, enquanto seu país entrava na Era Industrial.
O espírito samurai ainda vive
Ainda que os samurais não existam mais, seu espírito de honra e disciplina encontrou um lugar nos tempos modernos. Dos pilotos kamikaze do Japão na Segunda Guerra Mundial às artes marciais, e mesmo em modernos homens de negócios que buscam o bushidô como um guia para uma vida honrada, o samurai continua a influenciar o Japão atual.
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No Brasil, foi aprovada uma lei instituindo o dia 24 de abril como o Dia do Samurai no município de São Paulo. A data está no Calendário Oficial da cidade desde o ano de 2006 e foi escolhida por ser o aniversário do Sensei Jorge Kishika, introdutor do kobudo (a arte marcial dos samurais), no Brasil, e um dos principais difusores da cultura japonesa em São Paulo. Ele foi educado de acordo com as leis do bushidô.