sexta-feira, 1 de junho de 2012
A ilha de Okinawa
A ilha de Okinawa foi, desde sempre, um ponto de contacto entre a cultura chinesa e a cultura do Japão. É nesta ilha, sucessivamente conquistada pelos imperadores chineses e pelos senhores feudais japoneses, que o Karaté toma forma sob a qual o conhecemos hoje na Europa, embora dividido em cinco escolas fundamentais de que falarei mais adiante. Nessa época era proibido em absoluto aos habitantes da ilha, sob domínio japonês, o uso das armas. Mesmo as armas brancas eram interditas. Só os samurais invasores podiam fazer uso das suas. Destas interdições nasce o Okinawte-Te, misto da escola Kempo e de técnicas locais. Constituíram-se seitas secretas que praticavam secreta e intensamente, de noite, entre discípulos seguros. Pés e mãos transformavam-se em armas terríveis capazes de substituir os punhos e as espadas. As pontas dos dedos tornaram-se tão perigosas como facas. Os cotovelos e os joelhos adquirem a potência de matracas, dos maços de ferro. Os braços a solidez dos sabres. Nesse Karaté, todos os membros eram utilizáveis procurando, sistemática e rapidamente, uma eficácia absoluta e rápida. Os golpes são sistematizados á velocidade máxima. Os estrangulamentos, luxações, projecções do corpo ao solo foram totalmente abandonados, ficando como meios acessórios. Esta fase explica a diferença de eficácia entre o Karaté e o Jiu-Jitsu japonês, mais tarde substituído pelo Judo. Em cerca de 1900, o estudo do Karaté foi divulgado em Okinawa pelos mestres Itosu e Hihaona, já com carácter oficial e aberto. Depois o governo japonês, na pessoa dos ministros, convida os mestres a ensinar Karaté no Japão. É então que entre todos se destaca o mestre Gichin Funakoshi, como personagem de primeiro plano e figura de nível intelectual, mental e espiritual impar, como ainda hoje se venera o seu espirito para que presida ao trabalho em cada “Dojo”. Esse homem de olhar repousante e firme de que vemos, na parede central de cada “Dojo” de Karaté, a fotografia. É ele que organiza a escola Shotokan, codificando as actuais formas de Karaté no Japão e insuflando a uma simples técnica a forma mental do Karaté como era praticado por Bodhidarma, associando o corpo e o espirito, como nas antigas formas do Kempo. Este espirito encontrou um ressonância particular nos adeptos do Budismo-Zen e nos jovens japoneses plenos de espirito marcial do “Budo”, caminho da perfeição humana através de uma das técnicas marciais (judo, Kendo, Aikido, Karaté e Sumo). Foi assim introduzido o Karaté no Japão atingindo o apogeu antes da guerra. Foi contudo a guerra que atingiu mais duramente o Karaté. Com o espírito indomável do Karaté, milhares de instrutores tombaram no fogo. Dezenas foram os famosos kamikaze, que enfrentaram serenamente e com prazer a morte contra o torpedeiros americanos. O próprio filho de Gichin Funakoshi morreu de fome, recusando as rações americanas do após guerra. Dezenas de instrutores treinavam a população de maneira a fazer frente a um desembarque americano nas constas do Japão, submetendo os civis a um treino sem limite. Quem conhece a história dessa guerra mortífera decerto recorda a superioridade tremenda da guerrilha japonesa nas ilhas ocupadas. O período de após guerra, mais calmo, e com a morte de velhos mestres (Funakoshi morreu com a idade de 88 anos), serviu para dividir os estilos. Os discípulos separam-se para ensinar, muitas vezes longe da disciplina e da técnica de origem.