segunda-feira, 28 de março de 2011

O INÍCIO DO KARATE NO BRASIL

Como o Judo, o Karate também chegou ao Brasil com os primeiros imigrantes japoneses no ano de 1908 e se instalou primeiro em São Paulo, principalmente nas cidades do interior. Foi introduzido através das colônias japonesas nas cidades de Biguá, Pedro de Toledo, Bastos, Maria e Garça, além do litoral e da capital paulista. Durante vários anos, os imigrantes japoneses ensinaram a “arte da mão vazia” aos jovens japoneses e aos poucos brasileiros que se interessavam.

“Marco inicial do Karate no Brasil” -  Mestre Sadamu Uriu 

“Buscar nas tradições do passado, inspiração para a evolução no futuro”

Mestre Sadamu Uriu 8º Dan – Japan Karate ShotoFederation – JKS 

O karate, arte marcial japonesa, é praticado por pessoas de todas as idades em todas as regiões do Brasil. Entre os seus admiradores e praticantes estão profissionais liberais, professores, estudantes, empresários, donas-de-casa e pessoas com as mais diversas ocupações. Podem ser encontradas nas academias e competições de karate crianças, adolescentes, adultos e idosos, de ambos os sexos.

O Dojo é sagrado para os praticantes de artes marciais

De todos é possível ouvir comentários e histórias sobre a influência positiva que o karate teve e tem em suas vidas. Não faltam casos de crianças muito tímidas excessivamente agressivas que encontraram no karate uma referência para a busca do equilíbrio. São freqüentes os exemplos de pessoas que começaram a praticar o karate já na maturidade e nele encontraram uma fonte para a manutenção ou recuperação de algumas características de sua juventude.

Sem que muitos saibam, existe uma pessoa que teve e tem grande influência na vida de todos eles, o Shihan (Mestre) Sadamu Uriu, que completou 78 anos em 2007. Vindo como imigrante do Japão em 1959, Mestre Uriu foi um dos introdutores do karate no Brasil e sua história se confunde com a do próprio karate brasileiro.

Nas linhas seguintes encontra-se um pouco da história desse Grande Mestre, acompanhado de parte da história do karate no Brasil. Esse conhecimento deve servir de estímulo adicional para todos os praticantes e admiradores do karate.

Sadamu Uriu nasceu em 20 de setembro de 1929 no Japão, em Fukuoka-Ken, na ilha de Kyushu, na região sul do Japão, situada a aproximadamente 1500 quilômetros de Tóquio. A região, naquela época essencialmente agrícola, hoje tem suas atividades econômicas concentradas na mineração, siderurgia e construção naval.

Desde o nascimento, mestre Uriu parecia destinado a ter sua vida associada às artes marciais. Seu pai, Seizaburo Uriu, além de agricultor era praticantes de judo. Sua mãe, Tsuwako Uriu, teve cinco filhos, três homens e duas mulheres, todos ainda vivos, sendo Sadamu Uriu o quarto a nascer. Seus dois irmãos homens eram faixas-pretas de Kendo (luta com espadas) e participaram da Segunda guerra Mundial. Um deles era oficial do exército e o outro policial de um grupo de elite.

Sadamu Uriu começou a estudar aos sete anos de idade e cursou o ensino fundamental e médio, equivalentes ao 1º e 2º graus brasileiros na própria ilha de Kyushu, nas escolas Dairi-Sho e Mojishogio. Esta formação escolar no Japão tinha a duração de dez anos e durante o 2º grau Mestre Uriu praticou Kendo.

Nesta época o Japão sofreu os efeitos da Segunda Guerra Mundial e os jovens tinham que contribuir para o esforço de guerra. Em 1945, aos 16 anos, Sadamu Uriu foi para a Escola de Formação de Pilotos da Marinha. O final da guerra impediu que ele fosse enviado para a frente de combate.

Age Uke

Em 1951, aos 22 anos, Sadamu Uriu foi para a Universidade Takushoku, em Tóquio, onde já estudava um de seus irmãos. Lá, além de se formar em Economia, iniciou o seu treinamento em Karate. Naquela época, no Japão, era nas faculdades que se iniciava o aprendizado do Karate, ao contrário da prática atual, em que mesmo crianças iniciam o seu treinamento em academias especializadas. Seu professor foi o famoso Mestre Nakayama, que por sua vez fora discípulo do lendário Mestre Gichin Funakoshi, fundador do estilo Shotokan de Karate e seu divulgador em todo o mundo.

Nessa época havia treinamento de Karate, mas não existiam graduações por faixa nem competições, que só surgiram após a criação, em 1954, da Nihon Karate Kyokai (atualmente Japan Karate Association – JKA). Mestre Uriu graduou-se em karate (faixa-preta) pela JKA.

Na Universidade Takushoku praticaram Karate com Mestre Nakayama três outros mestres importantes do Karate, que acabaram também vindo para locais diversos no  Brasil: Higashino, no Distrito Federal, Tanaka, no Rio de Janeiro e Sagara, em São Paulo.

Formado em Economia, Sadamu Uriu deparou-se com a extrema dificuldade de conseguir emprego, decorrente da destruição de parte importante da economia japonesa durante a guerra. Ele chegou a pensar em imigrar para a Indonésia, seguindo seu amigo Habu, que hoje é professor universitário lá. Mas o mesmo Habu lhe falou sobre o Brasil e as possibilidades de trabalho aqui, acabando por convencê-lo a tentar a vida em nosso país.

Assim, em 30 de dezembro de 1958, Mestre Uriu embarca, sem nenhum acompanhante, no navio Maru para o Brasil, um navio do governo japonês destinado para pessoas que desejassem emigrar para o Brasil. Nessa época, o governo japonês mantinha contatos com japoneses já estabelecidos no Brasil e que precisassem de mão-de-obra.

A viagem dura 45 dias e Sadamu Uriu desembarca no porto de Santos/SP, dirigindo-se em seguida para Pindamonhangaba/SP, para trabalhar na atividade agrícola na fazenda de Yoshio Igarashi. Lá ele permanece três meses e conhece D. Aurora, uma das filhas do Sr. Yoshio, que viria, mais tarde, a ser sua esposa.

De Pindamonhangaba/SP, Sadamu Uriu vai para a capital, São Paulo, para trabalhar na fábrica da Toyota, primeiro na linha de montagem e depois na área administrativa. O então presidente da Toyota, Sr. Kiyoyasu Koide, que o contrata também formara-se na Universidade Takushoku. O mais curioso, e um sinal adicional de que a vida de Sadamu Uriu estava definitivamente associada às artes marciais, é que o presidente era faixa-preta de 5º Dan de Judo e acabaria sendo seu padrinho de casamento.

Na Toyota, Sadamu Uriu permanece dois anos, 1960 e 1961, tendo como colega de trabalho, outro mestre importante do Karate, Yasutaka Tanaka, que deixara o Japão um mês depois de Uriu e, através da troca de cartas, viera se juntar a ele no trabalho na agricultura. A amizade que uniu esses dois mestres atravessou o mar e o tempo e permanece até os dias de hoje.

DOJOKUN

Já estabelecido em São Paulo, Sadamu Uriu começa a se reunir com alguns de seus ex-colegas da faculdade de Takushoku no Japão, também imigrantes, para treinar karate. Entre eles estavam os mestres Tetsuma Higashino, Yasutaka Tanaka e Juichi Sagara. Naquela época não havia ainda a intenção de abrir academias para ensinar o karate. Atualmente, Uriu e Tanaka vivem no Rio de Janeiro e ensinam a arte do karate a todos que os procuram. Sagara falecido em 2001 ensinava em São Paulo e Higashino falecido em 1987 ensinava em Brasília.

Em 1961 Lirton Monassa (falecido em 2000) procurou Uriu e Tanaka em São Paulo para que se transferissem para Rio de Janeiro para ensinar o karate, o que eles fazem em 1962, quando passam a lecionar na academia Kobukan, no bairro de Botafogo/RJ.

É também em 1962, no dia 29 de setembro, que Sadamu Uriu, nesta época residindo em Duque de Caxias/RJ, se casa com a Sra. Aurora Uriu. Deste casamento nascem dois filhos, Cezar e Cid, ambos praticantes de karate desde a infância. Cid Uriu é atualmente engenheiro da Petrobrás, trabalhando na base de extração de petróleo da cidade de Macaé, situada no litoral norte do estado do Rio de Janeiro. Cezar Uriu é engenheiro mecânico, empresário e faixa-preta de 5º Dan, ocupando atualmente a presidência da Confederação Brasileira de Karate Shotokan (CBKS), fundada por Mestre Sadamu Uriu em 1994.

Após o início em 1962 na academia Kobukan, Mestre Uriu passa, em 1963, a lecionar karate três vezes por semana no Tijuca Atlético Clube, para um grupo de 30 alunos. Nessa época, apareceram para assistir a um treino os tenentes Pacheco e Valporto, que impressionados com a técnica do karate convidaram Mestre Uriu para fazer uma demonstração no Batalhão de Infantaria-Paraquedista.

Mestre Uriu faz, então uma apresentação de karate no Batalhão de Infantaria e pede-se a ele que faça uma demonstração de luta, primeiro contra um soldado boxeador e depois contra um soldado capoeirista. Ele vence as duas e um novo desafio lhe é apresentado: colocado diante de pilhas de madeira e de tijolos, perguntam se seria capaz de quebrá-los. Ele assim faz, para espanto e admiração de todos, e a partir daí começa a ensinar karate no Batalhão de Infantaria, onde ficou por 15 anos, até 1978. No meio militar, Mestre Uriu foi também instrutor da Escola de Comunicação do Exército (1964 a 1967) e da Escola Militar no Forte do Leme (1965 a 1967), todos no Rio de Janeiro.

Em 1964, alguns alunos e admiradores ajudam Mestre Uriu a montar a academia Shidokan, na Usina/RJ. Com a formação de vários atletas faixas-pretas pelo Mestre Uriu, na Shidokan, e pelo Mestre Tanaka, na Kobukan, começam a surgir diversas academias, expandindo-se, assim, o karate no Rio de Janeiro.



De 1973 a 1985, Mestre Sadamu Uriu foi também instrutor da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro.

Ao longo das décadas de 60, 70 e 80, alguns marcos na história do karate brasileiro merecem registro, tais como:

1964 – com o karate no Rio de Janeiro filiado à Federação· Carioca de Pugilismo, realiza-se o 1º Campeonato Carioca de Karate. Após este campeonato, o karate em diversos estados filia-se às respectivas federações de pugilismo;

1968 (a 1970) – Mestre Uriu introduziu o Karate no estado· da Bahia, sendo, neste período, técnico da seleção baiana;

1969 – realizado pela Confederação Brasileira de· Pugilismo o 1º Campeonato Brasileiro de Karate, no Rio de Janeiro, com o auxílio dos mestres Uriu e Tanaka. O Rio de Janeiro conquista o 1º lugar, ficando o 2º com São Paulo e o 3º com a Bahia;

1970 – participação no 1º Campeonato Mundial, realizado· no Japão;

1972 – participação no 2º Campeonato· Mundial, realizado na França;

1975 – o Mestre Uriu, trás pela primeira vez ao Brasil o· Mestre Masatoshi Nakayama. Nesta ocasião o Mestre Nakayama ministra um curso de aperfeiçoamento técnico no Rio de Janeiro.

1978 – participação no 1º Campeonato Pan-americano, no· Peru, neste mesmo ano o Mestre Uriu trás para o Brasil o Mestre Tetsuhiko Asai. A partir desde momento se inicia uma amizade que perdura até os dias de hoje;

1988 – 1º Campeonato Sul-americano de Karate, com o· Brasil sagrando-se campeão;

1989 – o Brasil vence o Campeonato Pan-americano,· realizado na Venezuela.

Em 1990 o Brasil conquista o bi-campeonato no 2º Campeonato Sul-americano de Karate e o vice-campeonato no 7º Campeonato Pan-americano de karate. Em 1991, o Brasil conquista o Campeonato Sul-americano, realizado no Paraguai, e o 5º lugar no Mundial do México. Em 1993, consegue o 3º lugar no Mundial da África do Sul.

Durante muitos anos, Mestre Sadamu Uriu foi o técnico da seleção brasileira, contribuindo para firmar o nome do Brasil no karate internacional. Foi, também, técnico da seleção carioca, aperfeiçoando o karate no estado do Rio de Janeiro. Em 1991 ele foi o coordenador técnico do 1º Congresso Brasileiro de Professores de Karate.

Embora importante e necessária, a forte expansão do karate no Brasil nas décadas de 70 e 80 gerou, no final dos anos 80 e início dos anos 90, conflitos de interesse e até mesmo um certo afastamento dos seus princípios e da sua essência. A conseqüência disto foi a perda de uma parte dos seus adeptos e, de certa forma, da própria força do karate brasileiro.

Preocupado com esta situação, em 1994, Mestre Sadamu Uriu funda a Confederação Brasileira de Karate Shotokan – CBKS, com o objetivo de trabalhar pelo desenvolvimento do karate sem interesses econômicos, políticos e de poder. Todo o esforço foi concentrado na formação técnica dos praticantes e na divulgação do verdadeiro caminho do karate.



Coerente com esses objetivos, a CBKS foi organizada seguindo alguns princípios:

– Sistema democrático de gestão, com a diretoria tendo mandato de dois anos e sendo escolhida em eleição direta pelos filiados na Assembléia Geral Ordinária. Todas as demais decisões importantes são também tomadas pela Assembléia Geral Ordinária.

– A diretoria não recebe qualquer espécie de remuneração, fixa ou variável;

– Um Conselho de Ética zela pelas questões e princípios fundamentais do karate;

– Não depende de nenhuma verba governamental ou empresarial para o exercício de suas atividades básicas. Todos os recursos são originados dos atletas e federações filiados;

– Todos os recursos e os eventuais superávits obtidos são reinvestidos no desenvolvimento do karate brasileiro.

O Shihan Sadamu Uriu, que possui o 8º Dan, ocupa a posição de Presidente de Honra da CBKS e, desde a sua fundação, tem visitado todas a regiões do Brasil ministrando cursos de aperfeiçoamento para atletas e professores, qualificando árbitros para competições e supervisionado tecnicamente os campeonatos estaduais. Para assegurar a qualidade técnica dos filiados à CBKS, apenas o Shihan Uriu ministra os exames para faixa-preta. A CBKS está também depurando e organizando um cadastro de instrutores faixas-pretas qualificados para o ensino do karate, contribuindo para a plena aplicação da legislação do Conselho Federal de Educação Física sobre o assunto.

Fiel ao objetivo de aperfeiçoar continuamente o karate brasileiro, a CBKS, nos 12 anos de sua existência, trouxe ao Brasil 7 diferentes mestres japoneses, para ministrarem cursos de especialização e supervisionarem as competições de âmbito nacional. Foram eles os mestres Asai, Kato, Watanabe, Miura, Sato, Kaneko e Katsuno.

No nível internacional, a CBKS é filiada a International Japan Karate Association – IJKA e à Japan Karate ShotoFederation – JKS, lideradas pelo Mestre Tetsuhiko Asai-9º Dan. A IJKS possui registro no governo japonês como instituição cultural e esportiva, sendo pioneira no ensino do karate para deficientes físicos.

A criação da CBKS foi o inicio de uma série de eventos importantes para o karate no Brasil, promovendo diversos campeonatos a nível municipal, estadual por todo o Brasil e Campeonatos Brasileiros, além de curso dos mais diversos níveis, participação em Campeonatos mundiais e sul-americano.

1998 – Mestre Uriu sofre um terrível acidente automobilístico no estado de Rondônia, onde fora ministrar curso de aperfeiçoamento técnico e exame de faixa, além de supervisionar o campeonato estadual. Tendo desembarcado no aeroporto de Vilhena/RO, ele estava sendo conduzido de carro para a cidade de Alta Floresta D’Oeste/RO. Na altura do município de Santa Luzia D’Oeste/RO o motorista cochila e o carro despenca em um abismo. Mestre Uriu fica entre a vida e a morte e, cessado o risco de vida, é transportado de avião para o Rio de Janeiro. Lá, sucedem-se muitos meses de internação no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO), acompanhados de 9 cirurgias. A tragédia, que teria encerrado a carreira esportiva de qualquer pessoa comum, foi encarada pelo Mestre Sadamu Uriu como mais um desafio a vencer. Foram meses de fisioterapia, de convivência com fortes dores, de deslocamento em cadeira de rodas e, posteriormente, de muletas. Mas o mestre do karate decidiu dar mais uma lição a si mesmo e a todos os praticantes das artes marciais. Enfrentou todas as dificuldades já em 1999 voltava ao convívio dos alunos e professores, preparando o corpo e o espírito para voltar a praticar e ensinar o karate. Enquanto isso, seu filho mais velho, Cezar Uriu, 5º Dan, que já retornara após 4 anos vividos no Japão, assume a responsabilidade de conduzir os cursos, exames e campeonatos, até o restabelecimento pleno de Mestre Uriu;

Em 2000, por ocasião da participação do Brasil no Campeonato Mundial na Hungria. Mestre Sadamu Uriu, já quase totalmente recuperado, chefia a delegação brasileira que vai à Hungria e, em novembro, vai ao Japão para acompanhar o campeonato nacional japonês, na ilha de Hokaido, norte do Japão, e participar da reunião dos mestres da IJKA. Neste ano, Mestre Uriu é nomeado pelo shuseki Tetsuhiko Asai (falecido em 2006) responsável pelas atividades da IJKA e da JKS na América do Sul.

Tendo liderado momentos importantes da introdução, consolidação e desenvolvimento do karate brasileiro, além de participar dos eventos internacionais importantes, Mestre Sadamu Uriu não perdeu a simplicidade que sempre recomenda aos praticantes do karate.

Ele pode ser encontrado todos os dias, desde 1976, lecionando karate na academia NKK, na rua Félix da Cunha 65, bairro da Tijuca, estado do Rio de Janeiro, acompanhado por seu filho mais velho, Cezar Uriu – 5º Dan, sua esposa Aurora Uriu e seus Shidoins (instrutores), Veriano Dovalski – 3º Dan, Wilson Serzedelo – 3º Dan, Diogo Yoshida – 4º Dan, Rodolfo Ferreira – 4º Dan e Celso Lemme – 2º Dan.

A NKK se tornou uma referência para todos os que praticam karate no Rio de Janeiro e no Brasil e conserva a aparência e o espírito dos dojos japoneses tradicionais. Lá é a segunda casa de Mestre Uriu, que está sempre aberta a todos que se interessam pelo karate.