História do Karatê
O Karate teve como berço à ilha de Okinawa, no arquipélago de Riu-Kyu, ao sul do Japão. No final da dinastia Ming, Okinawa passou a ser dominada pelo Japão que, para evitar a reação do povo nativo proibiu o uso de armas. Sob pressão militar, a população buscou, nos utensílios de uso cotidiano e no próprio corpo, meios de defesa (Nakayama, 1987). Surgiram então os primeiros indícios da arte marcial no início chamada de “tode”. Devido à sua localização geográfica, Okinawa recebia comerciantes e visitantes de várias partes do continente. Nessa época, o “tode” (karatê primitivo) era influenciado pelas artes de luta praticadas principalmente na China.
O alvorecer do século XX trouxe consigo o deslocamento do enfoque de luta de sobrevivência para educação física com fundamentação espiritual. O karate deixou de ser ensinado apenas de modo secreto e, em 1916, mestre Funakoshi fez a primeira demonstração pública fora de Okinawa. Mestre Funakoshi é considerado o pai do Karate moderno, por tê-lo aperfeiçoado técnica, literal e filosoficamente (Nakayama, 1987). Ele viajou por todo o Japão e foi convidado a lecionar em Universidades, onde o Karate passou a ser submetido à pesquisa científica, aprimorando técnicas e criando métodos de treinamentos sistemáticos (Silvares, 1987).
Gishin Funakoshi - Criador do Karatê Shotokan |
Após o sucesso de Funakoshi, outros mestres de Okinawa foram ao Japão divulgar os seus estilos de Karate. Segundo Okinawa (1985), a fusão do karate com a concepção japonesa de Arte Marcial deu origem a quatro estilos principais conhecidos hoje: Shotokan (Funakoshi), Shito-riu (Mabuni), Goju-riu (Miyagi) e Wado-riu (Otsuka). Após a segunda guerra mundial, a emigração dos japoneses e o grande interesse das tropas de ocupação em aprenderem a lutar, difundiram o karate pelos continentes. Hoje o Karatê, segundo a WKF, é a Arte Marcial mais praticada no mundo.
A ORIGEM DAS ARTES MARCIAIS
Os primeiros indícios de Artes Marciais surgiram no Oriente, muito antes da invenção da escrita. Acredita-se que as técnicas de defesa e ataque tiveram origem na observação dos animais na natureza, partindo da necessidade de sobrevivência e obtenção de alimentos. Nos antigos templos, os monges desenvolveram técnicas de luta sem armas, objetivando saúde e autodefesa, onde, “através de exercícios penosos pretendiam o fortalecimento do corpo para dar morada à paz de espírito e à verdade religiosa” (Sasaki, 1989). As artes marciais foram ensinadas em segredo de mestre para discípulo por séculos, por isso há grande falta de literatura apropriada que descrevam com exatidão a sua história.
A CONTRIBUIÇÃO DA ÍNDIA
Na antiga Índia, há mais de 5000 anos a.C. surgiu uma luta marcial cujo nome em Sânscrito era “Vajramushti”, a tradução literal significa “punho real”, ou “aquele cujo punho cerrado é inflexível”. Era uma arte guerreira, desenvolvida pela casta marcial da Índia chamada Dshastra. Uma Arte Marcial que se desenvolveu simultaneamente com práticas de meditação e estudos dos antigos clássicos da Índia, como os Veda, Gita e os Purana. Tinha por objetivo o desenvolvimento espiritual, físico e de defesa pessoal. Nas origens do Budismo era ensinada junto com as técnicas de meditação Sakiamun.
O Buda era um príncipe e como tal pertencia à classe guerreira dos Dshastras, assim aprendeu o Vajramushti como parte de sua educação militar. Mais tarde, também como guerreiro, ensinava o Vajramushti, visando a unificação da mente com o corpo. Embora Buda o ensinasse como uma prática ascética, que visava a vivência dos preceitos budistas, os monges que se tornaram seus discípulos o apreciavam também como um recurso para a defesa pessoal para enfrentar os perigos daqueles tempos em suas peregrinações.
Quase mil anos depois da morte de Buda, Bodhidharma, que era filho do Rei Sughanda e, portanto, príncipe, aprendeu o Vajramushti de um velho mestre chamado Prajnatara. Tendo se tornado o 28º patriarca do Budismo, viajou à China a convite do Imperador, Lin Wu Ti, que era um admirador do Budismo. Porém, Wu Ti era seguidor de uma linha nova no Budismo, com características ritualísticas e salvacionistas, contrárias às de Bodhidharma, que pregava a meditação e a busca interior. Por esta razão ele viajou ao vizinho reinado de Wei e hospedou-se no Templo Shaolin.
Valorizando o Vajramushti como auxiliar do homem em sua pesquisa interior, os monges budistas se desenvolveram enormemente nesta Arte Marcial e o Templo Shaolin ficou mais famoso como centro de Artes Marciais do que de budismo, efetivamente. O Vajramushti era, no Templo Shaolin, ensinado em segredo, devido ao seu poder como Arte Marcial, e as técnicas somente eram ensinadas às pessoas que entendessem o conhecimento de seu verdadeiro significado.
Com o tempo ocorreu uma cisão nos propósitos do Templo. Conhecimentos de Vajramushti adicionados ao Kung-Fu antigo, originado dos tempos de Huang-Ti, eram ensinados ao povo com nome de Kung Fu Shaolin, com o objetivo de se defenderem do domínio dos oficiais corruptos do governo Manchu. Mas entre os monges Shaolin mantinha-se preservado o verdadeiro Vajramushti, que como recurso à meditação e ao desenvolvimento do espírito passou a ser chamado em chinês “Ch'an Tao Chuan”, ou “A arte dos punhos no caminho da meditação”.
A CONTRIBUIÇÃO DA CHINA
Aproximadamente no ano 2600 a .C. surgia uma forma de combate individual chamado de Go Ti, que teria sido criado por um “Senhor da Guerra” chamado Chi-Yu. Durante os turbulentos séculos VII e VIII a.C. foi escrito no livro “I Ching” que: “Sem as técnicas de luta, um homem é relegado ao posto mais baixo do exército”. Enquanto isso, uma outra forma de evolução acontecia. Monges eruditos descreviam uma série de antigas ginásticas medicinais. Estes exercícios combinavam movimentos e posturas físicas com a respiração para purificar o corpo e o espírito.
O primeiro acontecimento de realce, no começo do século VI, foi o pronunciamento de Confúcio sobre a necessidade de se cultivar as Artes Marciais. A seguinte grande influência na arte aconteceu em torno do ano de 520 d.C., com a chegada do monge budista Bodhidharma, que viera da Índia. Sua chegada trouxe mudanças significativas, influenciando os hábitos não só dos monges como de toda a comunidade.
O conceito de “mente vazia” e outras formas de estilo Zen eram rapidamente incorporadas à arte. Após a morte de Bodhidharma, por volta do ano de 557 d.C., a Arte de Shaolin começou a tomar forma de luta, sendo mais tarde denominado “Shaolin su Chuan-Fa”. Apesar de existirem na China inúmeros estilos de Kung-Fu, a linha de Bodhidharma foi a mais significativa para a evolução do ser humano, influenciando até hoje inúmeros atletas e Artistas Marciais. “Lutar e vencer todas as batalhas não é a glória suprema. A glória suprema consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar”. Zun Tzu
O JAPÃO E AS ARTES MARCIAIS
As Artes Marciais Japonesas podem se dividir em três períodos: O período do Bujitsu, o do Bugei e o do Budô. No tempo do Bujitsu, existiam as técnicas primitivas de luta que eram usadas nas constantes guerras. Durante o século VII o Japão começou a assimilar a Cultura chinesa, utilizando a sua escrita e seu sistema hierarquizado, surgindo as classes militares. O príncipe Imperial Shotoki Taichu (595 – 621) favoreceu a expansão do Budismo e encorajou a penetração da cultura chinesa no país.
Esta política possibilitou uma verdadeira reforma na administração e nas instituições. O período termina no final do século VIII com o florescimento da civilização de Nara, a primeira capital do Império Japonês. O período Bugei surgiu em conseqüência da necessidade de defesa militar. As práticas Marciais foram mais desenvolvidas, surgindo várias escolas (ryu) e os primeiros mestres conhecidos. Com o estabelecimento do Xogunato, de 794 a 1615, iniciou-se a transferência da capital para Quioto.
É nesta época do século IX e início do século X que enfraquece a autoridade Imperial e, em 1185, a família Minamoto toma o poder. Verdadeiras dinastias de Xoguns tomaram nas mãos o destino do país. Período este que se estendeu até a dominação dos Tokugawa em 1603. Na era Iedo de 1615 a 1868, com os Tokugawa, transferiu-se a capital para Edo, a atual Tókio. No período do Budô, o Shogun, Ieyasu Tokugawa, estabeleceu o seu governo em Edo.
Com poder imenso, instituiu-se no governo passando-o para seus descendentes e trazendo um longo período de paz e tranqüilidade, graças à obediência que exigia dos chefes. Com o domínio Tokugawa, o Bugei passou a ser usado mais como um princípio de educação e ética para se atingir um elevado estado de espírito. A partir daí, a maior razão das Artes Marciais Japonesas passou a ser o aperfeiçoamento dos próprios praticantes. Surge então o Budô (O Caminho do Guerreiro). Os mestres japoneses, temendo talvez o contato com o Ocidente e o choque do mundo moderno, quiseram colocar como importância essencial o Caminho (Dô), trocando os antigos nomes dos bujitsu, tais como ju-jitsu, aiki-jitsu, etc, para judô, aikidô, etc.
Desta maneira esperavam que o grande público não confundisse as artes marciais com os esportes de combate e que o sentido do “Caminho” não se perdesse nos meandros da história. O Budô é a continuação do Bujitsu em dois sentidos: para alcançá-lo e para que ele nos alcance. A busca técnica efetuada desde tempos remotos, pelos Mestres japoneses, se baseou sempre nos princípios de relações complementares que regem o universo. O jogo de forças ativas (yang) e passivas (yin) é posto em prática com uma precisão extraordinária nos movimentos de ataque e de defesa, de maneira que se possa neutralizar o adversário com um mínimo de esforço e um máximo de eficácia.
A INTRODUÇÃO DO KARATE NO JAPÃO
O Karate foi introduzido no Japão na década de 1920. Nessa época, o Karate não tinha, até então, um método de ensino formal e padrão, sendo ensinado por cada mestre segundo o seu gosto particular. Mas para que essa arte vinda da ilha de Okinawa pudesse ser aceita pela sociedade e a cultura japonesa, algumas coisas precisaram ser modificadas. O significado do ideograma (símbolo da escrita japonesa) “Kara”, significava “Chinesa”.
O Tigre - Símbolo do Karatê Shotokan |
O karate então se traduzia por “mãos chinesas”. Mas ao longo da história, Japão e China haviam entrado em guerra muitas vezes, por isso o povo japonês não aceitaria algo que pudesse lembrar a China. Então mestre Funakoshi trocou o significado da palavra “kara”, já que os ideogramas japoneses podem ser lidos de duas maneiras (“kun” e “un”) segundo o seu significado ou segundo a sua pronúncia.
O ideograma com a mesma pronuncia “Kara”, com novo significado que não “chinesa” tem origem no termo Sunya ou Sunyata do sânscrito que significa “zero”, “vazio”, e é muito usado na tradição Zen-Budista. Vários dos mestres que queriam introduzir o Karate-Jutsu no Japão decidiram adotar este outro símbolo e também trocaram a expressão “jutsu” (técnica ou arte) por “Do” que deriva da palavra chinesa “tao” (via, caminho). Este nome pareceu, então, apropriado já que descreve uma arte de luta sem armas e também duas características importantes do Zen-Budismo: a “mente vazia” (sem preocupações, ódio, inveja ou desejo) e o “caminho”, a “via” que devemos transitar para chegar a esse estado de iluminação.
Por influência de Jigoro Kano (criador do Judô), que era seu amigo, mestre Funakoshi também adotou o karate-gui, o uniforme branco, e o sistema de faixas e graduações de Kyus (faixas coloridas, da branca até a marrom) e Dans (do 1º ao 10º grau para os faixas pretas) similar ao que era usado no Judô. Também foram adotados novos métodos de treinamento, os katas foram revisados e muitos deixaram de ser praticados, o karatê passou por uma reavaliação, deixando em segundo plano a sua origem guerreira para se tornar um esporte onde pessoas de todas as idades e classes sociais pudessem praticá-lo sem correr riscos à sua integridade física. No ano de 1933, o Dai Nippon Butokukai, órgão japonês encarregado das artes marciais, reconheceu oficialmente o Karate-Do como Arte Marcial.